A capacidade de voltar a notar surge e treina-se com a evidência ou desaparece com a repetição?
Transportava-me na cidade com o automóvel que sempre uso, o mesmo que serve para ter acidentes e para pôr gasolina; e tal como havia feito o indivíduo que se encontrava na faixa à minha esquerda (com o mesmo sentido), parei. Era aquela, a passadeira. Olho para o passeio da esquerda onde se encontrava uma senhora de meia idade que acompanhava uma outra de muita idade, fortemente corcunda, que já conhecia de vista da baixa portuense. Imediatamente iniciaram a travessia da via pública.
Nunca me dei ao trabalho de contar quanto tempo demoro a atravessar uma rua e muito menos aquela rua. Não se justifica. É até ridículo. Aos 10 anos, atravessar a rua, deixou de ser uma aventura. Hoje é algo que faço instintivamente, sem notar.
Também não sei quanto tempo demorou esta travessia. Demorou muito tempo. Tempo suficiente para eu me ter atrevido a imaginar: "...quantas vezes não teria eu atravessado esta rua, de um lado para o outro, no intervalo de tempo que esta senhora, que faz um enorme esforço para caminhar, está a levar para atravessar uma só vez?". Para esta senhora o mundo esticou, o mundo é maior...
Senti por momentos que vivia num mundo dobrado, num mundo bem mais pequeno.